Ser jogador de futebol profissional é o objectivo de vida de muitos jovens portugueses, mas chegar a esse patamar está nos pés de apenas meia-dúzia de predestinados, que têm ainda de contar com uma oportunidade e muita sorte. É atrás desse sonho que nove jovens, portugueses e estrangeiros, acordam todas as manhãs longe da família. São os atletas que representam os escalões jovens da União de Leiria e que vivem na cidade deslocados do seu meio sob a responsabilidade do departamento de futebol de formação. 

Na Academia de Santa Eufémia crescem todos os dias grandes talentos, mas nem todos são da região. A União de Leiria tem duas casas no centro da cidade para albergar os nove atletas que representam o clube nos escalões de formação longe do seu meio familiar. São cinco portugueses, três brasileiros e um camaronês, com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos e que decidiram deixar para trás a pacatez da vida ao lado da família para partirem sozinhos em busca um sonho. Nem todos vencerão, é certo, mas para alguns as portas do sucesso entreabrem-se rapidamente. É o caso de Carlos Daniel, o ponta-de-lança com idade de juvenil, que é já o melhor marcador dos juniores, com 16 golos em 20 jogos, e até já treina com os seniores. E já tem empresário, que é nada mais nada menos do que Jorge Mendes, o mais influente a nível global. Quando era iniciado jogava no Benfica, mas foi dispensado e, pelo que se diz, os responsáveis pelo clube da Luz estão bem arrependidos dessa decisão. Aos 16 anos, frequenta o 11º ano na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira. É a maior de todas as esperanças do futebol jovem da União de Leiria, mas não é originário da região. É de Buarcos, bem perto da Figueira da Foz. E se não fosse a ‘casa’, muito provavelmente não representaria o clube. Claro que estar longe da família, “principalmente do irmão mais novo”, de sete anos, “custa muito”. Mas não se lamenta. “Vejo a minha família três vezes por semana, o contacto ainda assim é grande. Claro que gostava de estar em casa, estar perto do mar, mas não me posso queixar. O Benfica tinha melhores condições, mas na União de Leiria não nos deixam faltar nada. Almoçamos e jantamos num restaurante, levam-nos de carro à escola. Um director vive por cima de nós. Por isso, têm sempre a situação controlada.” Com a aposta que o treinador Pedro Caixinha tem feito nos jovens, Carlos Daniel acalenta a esperança de ainda esta época se estrear na equipa sénior. “Tenho trabalhado muito e acredito que pode acontecer. Era um sonho. Os treinadores e os colegas tentam integrar-nos e se fazemos alguma coisa mal corrigem- nos.” 

DIFICULDADES 

Esta é a quarta temporada em que Luís Pedro está na casa. Natural de Oliveira do Hospital, é o que está há mais tempo nestas condições. Vê a família ao fim-de-semana, porque eles “não perdem” um jogo do médio defensivo da equipa de juniores. A casa vai “uma ou duas” vezes por mês. Ele é uma espécie de ‘chefe’ dentro daquelas quatro paredes e sabe como ninguém integrar os que chegam. A verdade é que nem sempre é fácil conciliar culturas e estilos de vida bem diferentes dentro da mesma casa, mas garante que existe “respeito”. “Tentamo-nos dar bem. É claro que não nos identificamos com todos, mas desde que os limites não sejam ultrapassados, tudo é pacífico.” Ao longo destes quatro anos que leva da ‘casa’, houve casos de futebolistas que não resistiram a uma realidade tão distinta daquela a que estavam habituados. “Tivemos atletas que não aguentaram a distância da família ou o facto de se ter de dividir o apartamento com outros colegas e foram embora.” Luís Pedro entende que as condições não são perfeitas, mas garante que a União de Leiria oferece as “condições mínimas” e que “nada falta”. “Pagam-nos o almoço e o jantar, dão-nos o que precisamos e ainda temos televisão por cabo e internet.” Quem faz a lida da casa são os atletas. “Definimos tarefas semanalmente”, diz. 

Como no futebol não há certezas no que ao futuro diz respeito, Luís Pedro frequenta um curso profissional de banca e seguros. No entanto, o sonho comanda mesmo a vida deste e dos outros oito miúdos que se mostraram dispostos, com o aval dos pais, a abandonarem o lar. “Claro que não é fácil. Temos muitas saudades, sentimos falta de crescer normalmente, mas estamos a perseguir aquilo que queremos mesmo fazer.” E se algo correr mal e a oportunidade não surgir? “Não cresci ao lado da família, mas ganhei outras perspectivas e conhecimentos para o futuro. Quero muito que tudo corra bem, mas nunca me arrependerei. Se não lutar pelo que quero, quem lutará? 

Miguel Sampaio - Jornal de Leiria